10 de outubro de 2008

O Martírio de Joana D’arc

A feroz crítica Pauline Kael considerava a interpretação de Maria Falconetti talvez a melhor já capturada por uma câmera. O fato de ser o único trabalho da atriz no cinema amplifica esse caráter de película singular, obra máxima que nos compele ao tom reverente, sacro, guardando forças como um dos melhores de todos os tempos. A falta de som, responsável por envelhecer drasticamente tantos outros, torna-se um elemento a mais para deixá-lo poeticamente realista. Kael relembra em seu texto as palavras de Cocteu, para quem parecia o registro de uma época a qual o cinema não existia. Baseado nas minutas do inquérito, consegue ser fidelíssimo muito mais às emoções do que à história. Só nos minutos finais é que teremos extravagantes cenas de multidão, com ângulos fantasticamente modernos. Difícil de imaginar, como com o peso dos equipamentos daquele tempo conseguiam dar giros de 180º. Não se sabe se ficamos embasbacados com tudo o que vemos ou se choramos copiosamente pela tragédia que “segue” os desígnios de Deus. Sobram duvidas sobre a pobre Joana, que mal sabia a idade ao certo, ter continuado até seus últimos momentos ancorada na fé cristão-católica, seria sua ignorância um alívio à realidade? Pior, como uma religião que nunca hesitou em usar seu poder pelas vias do sangue sobrevive até os dias atuais, continuamente sacrificando vidas em prol de sua permanência no topo. Dreyer aliás, não abre mão do principal elemento ao qual a igreja de Paulo se firmou: O medo. Cada sacerdote é terrivelmente fotografado de baixo pra cima, dando-lhes contornos de vampiros góticos. Joana, complacente, é mostrada ao contrário. Seus grandes olhos cristalinos refletem sobre tudo a dor de toda a humanidade.

O Martírio de Joana D’arc – La Passion de Jeanne d'Arc

- França 1928 De Carl Theodor Dreyer Com Maria Falconetti, Eugene Silvain, André Berley, Maurice Schutz, Antonin Artaud, Michel Simon, Jean d'Yd, Louis Ravet 82’ Drama


DVD- A qualidade da imagem no disco distribuído pela Magnus Opus nos faz pensar se mesmo em 1928 as platéias viram tudo tão nítido. O filme teve várias mutilações com o passar do tempo, negativos queimados, etc. Esta versão foi a partir dos negativos muito bem conservados encontrados em um hospício na década de 80. Há bastante texto como extra e longa entrevista com a filha de Falconetti. Ela relembra por exemplo que quebrada, no início da Segunda Guerra, fugiu para a suíça, tentou entrar nos EUA e acabou na bancarrota total num cassino do Brasil. Morreu logo depois na Argentina.

Cotação:

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