31 de outubro de 2005

Batman, O Retorno

Que Tim Burton é um dos meus cineastas norte-americanos vivos prediletos não deve ser novidade nem para a dona Ruth, aquela velhinha que fica na janela ali da esquina... Imagina a taquicardia que foi quando achei Batman, O Retorno em DVD para abrilhantar minha ilustríssima filmoteca! Oh! E nem é meu filme preferido dele, aliás, o que mais marcou minha vida é um Burton, e só conto aqui quando achá-lo em versão digital. Adivinha? Mas enfim, para quem acha exagero meu apreço por esse senhor nativo de Burbank, recomendaria, para início de conversa, ver Batman, O Retorno. Ou rever, porque só mesmo tendo estado até ontem em Júpiter para nunca ter assistido a ele. Recomendaria, principalmente, pela magnífica mescla de comercial e artístico que possibilita que desde o intelectual mais ranzinza até o guri de bermudão e boné se deliciem por 126 minutos lado a lado. É estranho que a Warner o venda claramente apenas para o público infanto-juvenil, inclusive em seu site brasileiro, ele pertence à lista desta categoria. Não só pelos figurinos históricos da Mulher-Gato, mas pelos apimentados diálogos repletos de duplo sentido, a sombria película passa a anos-luz de ter sido direcionada aos pequenos. De longe é o filme mais sexualizado de sua carreira, e o que mais escancara seu tema predileto: o desajustado, cuspido pela "perfeita" sociedade, que quer simplesmente ser aceito, ou vingar-se. Se observarmos bem sua filmografia (de As Grandes Aventuras de Pee-Wee (1985) ao recente A Fantástica Fábrica de Chocolate) ele só falou sobre o mesmo tema. Nesta "seqüência" do mega sucesso de 1989 bateu seu pé em ter Michael Keaton no papel principal tal e qual fez anteriormente. As personalidades dos vilões eram muito ricas para serem perdidas por um herói de interpretação mais rebuscada. Ok, Batman também tem uma personalidade perturbada pelos motivos que sabemos, mas de certo modo é aceito pela sociedade defendida por ele. Em miúdos, faz parte dela. E que fascínio me causa aquele prólogo com a esnobe família tendo que lidar com o pequeno e bizarro Oswald. Praticamente sem diálogos (fora dois "Merry Christmas"), temos uma óbvia referência bíblica servindo de antepasto ao épico gótico que veremos a seguir. Como pano de fundo, ganhamos uma mídia faminta por sangue e uma lei quase sempre do lado errado. Perceba a referência a Geraldo, o latino que estourou na década de 90 na TV americana, precursor de ninguém mais que Ratinho. O chiuaua (aquela raça de cães mexicanos minúsculos) de Shreck chama-se Geraldo. E referências é o que não nos falta. Das mais óbvias (Shreck é também o sobrenome do ator que interpretou Nosferatu no clássico de Murnau) a algumas intrigantes, quanto toda a história se passar em 7 dias. Cinematográficas temos algumas da Hammer, como os palhaços malvados saltando no céu, ou o final à la Bonequinha de Luxo. A gatinha de Selina chama-se Kitty tal e qual uma das atrizes que interpretou a vilã na série clássica de TV. Poderia ficar horas analisando. Cada vez que o assistimos sempre há inúmeras coisas a serem notadas, e olha que faço isso há 13 anos. A citação a Murnau nos revela a base vinda mais do cinema expressionista que do noir. E ainda nem falei da Michelle Pfeiffer no papel de sua vida, usando aquele figurino sadomasô sinistramente. Ela nem precisaria ter interpretado de forma tão magistral que já entraria para a história do cinema. Mas interpretou de forma única. Tão única que os boatos da época apontavam um filme só para a vilã, inclusive com aquele final aberto. Denise Di Novi, a produtora, levou mais de uma década para nos dar a ofensa Mulher Gato com Halle Berry desonrando o uniforme. E a trilha de Danny Elfman com aqueles atemorizantes corais sussurrando aqueles ohs e ahs, a fotografia desbotada, os efeitos visuais ainda em forma, mesmo depois de tanto tempo... Um clássico moderno.

Batman, O Retorno (Batman Returns)
- EUA, 1992 De Tim Burton com Michael Keaton, Danny DeVitto, Michelle Pfeiffer, Christopher Walken 126' Aventura

DVD - Absurdo!!! A Warner pegou a matriz do DVD lançado em 1997, reprensou e colocou no mercado para pegar carona em Batman Begins. Os copyrigths são de 2005, mas o material interno aponta a década passada. Menus estáticos, extras apenas em texto e o pior, tudo em inglês!!! Áudio também apenas em inglês, o que nem é má idéia, já que a gente sempre dispensa a dublagem em nossa língua, o que poderia ser uma boa para baratear os disquinhos. Fora isso, ele é bem bizarro, apresentando lado A e lado B tal e qual um vinil. No A a película em widescreen e no B em fullscreen. Já está lançado há algum tempo nos EUA a versão dupla, como você confere no link abaixo. Dá pra babar nos extras com comentários do diretor, entrevista com Michael Keaton, Danny DeVitto e Michelle Pfeiffer, o vídeo clip da canção Face to Face, interpretada por Sioux, entre um monte de outros baratinhos. Cadê?


Cotação:

25 de outubro de 2005

Invasão de Privacidade

E costuma ser sempre uma diversão as surpresas que a TV aberta reserva para as madrugadas de cinéfilos insones. Mais precisamente a TV Globo, que entre clássicos das décadas mais recentes a telefilmes insossos, nos permite reavaliar algumas coisinhas, enquanto o sleep timer não termina sua função. Quem se importa dos cortes para os comerciais e da medonha dublagem em português diante de uma pérola trash do porte de Invasão de Privacidade? O ano era 1993, e os engravatados de Hollywood estavam em alvoroço com a descoberta da loira que deveria dominar as bilheterias naquela década que se iniciava. Dês da descoberta de Jean Harlow ou Alice Faye nos anos 30/40, esta tradição é seguida a risca. Tinha chegado a vez de Sharon Stone após o mega sucesso Instinto Selvagem ( Basic Instinct, 1992). A possível assassina com o “péssimo” hábito de sair de casa sem calcinha fez o polêmico filme cair como uma luva na pseudo liberação sexual anunciada naquele período, pós susto HIV da década anterior. Ela teria dito á Movieline que “Hoje em dia me pagarão para interpretar qualquer papel que eu queira. Até a Lassie”. O produtor Robert Evans (Poderoso Chefão) começou com boas intenções: Conseguiu o roteirista de Instinto Selvagem para adaptar o romance Sliver, de Ira Levin, mesmo autor de O Bebê de Rosemary. Aliás, era sua idéia contratar o mesmo diretor do aterrador suspense de 1968, Roman Polanski. Mas de boas intenções você sabe o que está cheio, né? Com inacreditável excesso de cenas de sexo mornas e um serial killer óbvio rondando miss Stone até o mais otimista apontaria a catástrofe que estaria por vir. Reza a lenda que a platéia teste detestou a primeira versão com sexo mais hardcore, e um assassino bem diferente do visto na versão final. Aliás, depois os sensores americanos ainda obrigaram várias outras picotadas, quase todas no nu frontal de William Baldwin, para a classificação permitir a entrada de menores nos cinemas. Resumindo, mesmo se houver uma versão do diretor, não há promessa de melhorias. E a chuva de fofocas de uma animosidade entre o casal protagonista nos sets invadiu a imprensa especializada. Óbvio que todo o marketing possível era o que eles precisavam, o que também não indicava boa coisa. Lembro que o que mais me incomodou quando aluguei em VHS nem foi tanto a previsível trama policial, ou o sexo careta, mas justamente a personagem de Sharon Stone. Carly Norris está a anos luz da escritora bissexual que fez em seu filme até então mais famoso. Fraca, chorona, e com toda a ação em suas costas, sem trocadilhos, please!!! Até a cena da calcinha (sim, ela teve também uma com calcinha neste!) é involuntariamente risível. No cinema norte americano se reconhece uma mocinha quando na hora da cama ela aparente sofrimento, e não prazer. Em todas estas seqüências Carly é pega á força por um dos Baldwin (nunca sei direito qual deles fez o quê...), e reage como uma donzela vitoriana cheia de culpa. As malvadas nestes filmes sempre dão com mais vontade. Note! Para quem gosta de películas por si só, independente de gênero, ou qualidade, apenas por curiosidade ou para melhor entender a 7ª “arte” (note as aspas também...) nos anos 90, Invasão de Privacidade é considerável. E se for na TV sem se pagar absolutamente nada por isso, porque não?


Invasão de Privacidade (Sliver)
- EUA, 1993 De Philip Noyce com Sharon Stone, William Baldwin, Martin Landau, Tom Berenger 106’ Suspense



Cotação:

22 de outubro de 2005

A Vida Marinha com Steve Zissou

É pertinente ao ser humano caçar ídolos, pessoas hiper especiais em quem todos nós queremos nos espelhar. Ou, no caso do cinema, que nos façam sonhar por duas horas de projeção e acompanhar sua carreira, filme a filme, quase como uma telenovela sem uma trama uníssona. Quando eles não estão prontos, o que fazer? Cria-se! E, nesta batalha, lá está a imprensa na linha de frente e, logo atrás, aqueles desavisados que gostam ou deixam de gostar de qualquer coisa de acordo com o vizinho. Vi desde a década de 80 (ou seja a partir do momento em que me achei gente...) muitos e muitos. Alguém aí se lembrou de Wim Wenders? Wim Wenders e aprendenders! Nos 90 encheu o saco o empurra goela abaixo de um certo Tarantino. E este humilde escriba pedia calma à turba ensandecida. Como dar o título de gênio a alguém com dois filmes a tiracolo? Do que chamaremos Billy Wilder com centenas de obras pra lá de brilhantes? E Almodóvar (nos 90 ele ainda não havia ganhado a alcunha de maduro) fazendo pérolas atrás de pérolas sem perder o rebolado? Ok, dez anos depois vieram os Kill Bills, Jackie Brow e algumas outras coisinhas saborosas. Ponto. Agora a bola da vez é um certo Wes Anderson. O rapaz está com dois filmes estupendos (Três é Demais, Os Excêntricos Tenenbaums) no currículo, e um relativamente bom, este que está sendo comentado no momento. E já há um certo zum zum de que o rapaz não é de nada, o gênio negou fogo, sei lá. Aliás, a imprensa brasileira diz isso, a portuguesa teria aceitado a comédia aqua-psicodélica numa boa. Bem, o que está dando a entender é que um cineasta de língua inglesa que cria um universo próprio convincente em trabalhos totalmente originais não surge desde Tim Burton com seu Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice), em 1988! E rapaz, isto não é pouca coisa. Aliás, películas boas, mas que não se fica olhando no contador pra ver quanto falta pra acabar, estão cada vez mais raras... Claro que há alguns deslizes. O principal deles pode ser o brasileiro Seu Jorge (Cidade de Deus) aparecendo do nada, tocando em seu violão versões brasileiras de famosas músicas de David Bowie. Na primeira vez soa legal, depois é impossível não vir à mente um "Meu Deus! De novo?" E são muitas vezes. Ou parecem ser... Mas como deixar de perceber que Bill Murray já está mais do que consagrado como astro do cinema. Aquele simpático caça-fantasma... Aqui ele vive o tal Steve Zissou, uma espécie de Jacques Cousteau decadente que leva sua trupe em busca de um tubarão (ou não) raro (ou não) que possivelmente comeu seu melhor amigo, ou não. Se você achou Virgem de 40 Anos o máximo do engraçado, fuja deste filme. Inclusive fuja deste blog também, de mim, do meu cachorro, ou de qualquer coisa com bom senso!!! Mas A Vida Marinha com Steve Zissou ainda é bem engraçado, imaginativo. Há cenas hilárias como o ataque pirata, o pedido de adoção do filho que provavelmente nem é dele, entre muitas outras que você se esborracha de rir... Por dentro. O elenco (muitos oriundos de suas outras obras) afinadíssimo no espírito da coisa. Até o cão de três (!!!) patas. Felliniano? Este rótulo não partiu de Anderson. É gênio? Imortal? Pelo menos está começando bem....

A Vida Marinha com Steve Zissou - The Life Aquatic with Steve Zissou
- EUA, 2005 De Wes Anderson com Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchet, Anjelica Huston, Willem Dafoe, Seu Jorge 119' Comédia


DVD - Mixos extras. Mas o menu caprichadinho já vale muito, e um easter egg logo no menu inicial e anunciado na capinha valem. Nos comentários do diretor e roteirista perceba o nome de Jacques Cousteau devidamente censurado com "pis".

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20 de outubro de 2005

Batman – O Homem Morcego

Nem todo filme adquirido em DVD é para ser assistido dezenas de vezes. E esta é a diferença entre um filme clássico, velho ou cult. E este é o caso de Batman – O Homem Morcego, lançado a algum tempo pela Fox em versão digital. Cult! Não que tenha me arrependido em ter gastado cada centavo n esta pérola trash norte americana da década de 60, mas assisti-lo foi um martírio. Seus 105 minutos pareciam 800!!! Claro que há cenas memoráveis como o já famoso repelente de tubarões ou os piratas em pó (!!!), mas entre isso, agüente uma espantosa falta de ritmo. É divertido como um todo, e o tecnicolor gritante combina com um personagem saído dos quadrinhos. Os puristas fãs do cavaleiro das trevas sempre torceram o nariz para a mais colorida das versões do personagem criado por Bob Kane, mas aquele gosto de ingenuidade remota vinga. A Mulher Gato ( Lee Meriwether) tem até um disfarce como correspondente Russa, em uma óbvia alusão á guerra fria, tão assustadora no período. Aliás, hilária a crise de ciúmes que Robin (Burt Ward) sentirá quando seu “mentor” aparentará interesse por ela. Reza a lenda que este longa, lançado em 1966 no cinemas, nem era pra ser um piloto da célebre série televisa, e sim, um filme mesmo, que seria exibido pouco antes nos cinemas. No inicio daquela década, após o mega fracasso Cleópatra, a Fox ia muito mal das pernas, e necessitando de grana urgente, tocou simultaneamente o projeto Batman em filme e seriado. Graças a isso, o longa ganhou quatro vilões (Coringa, Pingüin, Charada e Mulher Gato), e uma linguagem tal e qual vimos na tela pequena. No Brasil, o seriado foi reprisado a exaustão pelo SBT durante as tardes das décadas de 80 e 90. Enfim, não há muito o que esperar de um filme que logo no inicio agradece aos fãs da aventura, diversão sadia e do puro escapismo, né?

Batman – O Homem Morcego (Batman: The Movie)
- EUA, 1966 De Leslie H. Martinson com Adam West, Burt Ward, César Romero, Burgess Meredith, Frank Gorshin 105’ Aventura


DVD – Tentativa de se fazer uma edição especial. Como foi lançado a dois anos dá para perdoar os menus estáticos, porém com arte elaborada no espírito do filme. Duas galerias de fotos bem curiosas, um especial sobre o batmóvel, além de trailers etc. Só (infelizmente) os comentários de Adam West e Burt Ward não estão legendados em português.

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12 de outubro de 2005

Steamboy

E confesso logo de cara que a premissa de Steamboy nunca me alegrou muito. Depois do choque de Akira em 1991 (pra variar, demorou quase meia década para estrear aqui) não me empolgava a Inglaterra vitoriana, o século 19, revolução industrial, etc . Mas poxa, é do Katsuhiro Otomo, o cara fodão que nos deu Akira e nunca mais fez nada só seu. Não custa ver... Só pra te localizar, caso você não tenha nascido a tempo de viver a febre Akira na década de 80. Gosto por mangá a gente sempre teve, mesmo antes que isso fosse moda. Antes, muito antes de Cavaleiros do Zodíaco, só tínhamos Jaspion na TV e nas bancas nada. Aí a editora Globo lançou uma obra prima chamada AKIRA. Papel cuchê, colorido (era uma tradução do lançado nos EUA) custando os olhos da cara quinzenalmente. E quantas vezes passei fome no intervalo pra garantir a edição da quinzena. Infelizmente nunca completei a coleção. Aliás, reza a lenda que nem a editora a completou. Mas daí veio a notícia de um filme daquele universo fantástico de motos possantes rasgando ruas de uma Tóquio tão futurista quanto decadente, gangues se drogando com pílulas incríveis, telecinese. Era demais para um adolescente! Eu quero até hoje uma jaqueta igualzinha à do Kaneda com os dizeres Bom para a saúde, péssimo para a educação! E se passaram 14 anos e nada... Até Steamboy, claro! Lançado diretamente em VHS e DVD no Brasil, o novo longa de Otomo poderia ser apenas mais um filme de gênio, que mesmo não sendo bom, ainda está bem acima da média. Ledo engano, meu caro! Ao final de seus 126 minutos de duração estava aplaudindo sozinho no sofá de minha casa. Incrivelmente o mestre conseguiu superar seu trabalho anterior não só em técnica de animação, mas principalmente em um roteiro empolgante muito bem amarrado. Em comum com o filme de 88 notei algo que me levou ao que li nos mangás. As duas últimas páginas sempre eram com longos textos de Otomo dissertando sobre sua arte e, certa vez, contou que o grande motivo que o fez tornar-se desenhista foi que, quando pegava o trem até sua escola, ficava observando os veios e ferrugens no vagão e tentava reproduzir depois com lápis e papel. Ninguém faz texturas como ele. Mesmo se a história tivesse afundado em um assunto tão distante de nós, ainda assim o espetáculo visual arrebatador já teria valido cada centavo gasto no disquinho. Mas como já disse antes, a história é forte, e política no ponto certo. Apoiada em uma base familiar, vemos o começo da era científica, em um mundo onde poucos são confiáveis e muitos, gananciosos. A mensagem antibélica encontra contraponto exato na socialista. Espantosa, em meio a tudo aquilo, a transformação que a tempestuosa Scarlett (filha, veja só, do dono das empresas H'Ohara!!!) sofre. É óbvio desde sua primeira cena que acabará legal e ao lado do inventivo Ray, mas a sutileza do caminho a ser percorrido raramente foi vista no cinema antes. Enfim, uma ousadia em forma de película que deu mais do que certo, uma evolução cinematográfica narrativa e técnica. "Do risco é que vem o progresso" é um dos primeiros diálogos . Alguma dúvida?

Steamboy - Steamboy

- Japão, 2005 De Katsuhiro Otomo 126' Drama/Aventura

DVD - Poucos mas bons extras, destacando entrevista (curtíssima) com o diretor, conversa em três telas com animadores e seqüências com os vários estágios de produção de algumas cenas.



Cotação:

6 de outubro de 2005

Jogo Subterrâneo


Todo filme brasileiro merece louvor por si só. Seja ele uma chanchada estreleda por Xuxa Meneghel, ou qualquer astro de ponta saído da novela das 8. O segundo longa de Robert Gervitz (Feliz Ano Velho) não está (felizmente!) em nenhuma destas categorias, o que o faz ganhar alguns pontos. Baseado em obra de Júlio Cortazar, argentino tão húngaro quanto sou português, e que originou outros tantos filmes de essência romântico-noir, recebeu como principal cenário o futurista metrô de São Paulo. É lá que o protagonista Martin (Felipe Camargo) busca através de seu jogo, a mulher ideal de sua vida. Antes ele traça uma possível rota entre as estações, se a fulana qualquer a seguir, bingo! De cara me assustou ver uma metrópole mais sufocante, suja do que sempre me aparentou... e um metrô imaginário escuro, com pseudo punk (!!!) tocando um irritante violino. Me diz em qual estação ela fica pra eu passar longe! Outra coisa que merece nota são os figurantes andando em slow motion, absolutamente todos com ar blasé, e alguns gritantes erros de continuidade. Principalmente no cabelo do protagonista que a cada take está de um jeito. Também já deveria ser esquecida fotografia em tom esverdeado. Matrix é de 1999, faz tempo pra chuchu, né? Fora isso, uma produção classe A como a muito tempo não se via por estas playas. Talvez porque o filme anterior de Gervitz tenha sido a 18 anos (!!!), cada tomada é apuradíssima, cada detalhe cenográfico ou de figurino está afinado em um todo. Causou estranheza quando a certa altura entre o casal principal há uma briga sobre e ele ataca: “De novo você vem com isso?”, sendo que em nenhum momento se soube que ela era ciumenta. Só quando se assiste aos extras do DVD é que se descobre entre as cenas deletadas o que daria sentido ao diálogo. O roteiro às vezes peca por fazer mistério para depois o desfazer de modo simplista. E não são poucas vezes que isto acontece. No caso da personagem Ana (Maria Luiza Mendonça, esplêndida!), é tanto suspense sobre sua vida, e por último descobre-se que é algo até que banal para os dias de hoje. Chegou um ponto que desconfiei seriamente tratar-se de mais um hermafrodita na carreira da atriz. “Ah tá! Então é só isso...”. Só uma atriz completa poderia emprestar veracidade e força a esta Holy dos tempos modernos. Frágil e ao mesmo tempo disposta aos extremos, com seus grandes olhos claros apontando, quem sabe, um futuro melhor. Se Felipe Camargo muitas vezes tem dificuldade em deixar de ser Felipe Camargo, ela nos leva de volta á trama.

Brasil, 2005 De Roberto Gervitz com Felipe Camargo, Maria Luiza Mendonça, Daniela Escobar, Julia Lemmertz108’ Drama/Romance
DVD – Bons extras, destacando macking of, comparação de storyboards e menus animados

Site Oficial: http://www.filmes.net/jogosubterraneo/
IMDB: http://us.imdb.com/title/tt0431169/

Cotação: