23 de outubro de 2009

O Inquilino

Roman Polanski atua e filma sobre algo que conhece bem: o desconforto de ser estrangeiro num ambiente hostil. É desfecho da chamada trilogia do apartamento, precedido por Repulsa ao Sexo (65) e O Bebê de Rosemary (68).

Jovem polonês que mora na França só alugará o apartamento se a antiga inquilina não sobreviver. A garota, que só é vista toda enfaixada no hospital, inexplicavelmente pulou da janela.

Os outros moradores, claro, são uns velhos estranhíssimos, que impõe inúmeras regras e têm hábitos suspeitos pelas trevas da madrugada. Residindo lá, o pacato e submisso protagonista passará do deslocamento à loucura total.

Tentando se manter alheio às intrigas e grosserias, se afastará da realidade enquanto cria um pouco seguro universo particular. Aos poucos passará a crer que ele e a suicida são a mesma pessoa, ou que isso é imposto pelos vizinhos.

A derrapada (de leve) está em tentar explicar demais, dá certeza de que tudo acontece dentro da cabeça e não que ele foi morar num coven. Ao mesmo tempo, há incontáveis coisinhas que tinham peso mas são deixadas pelo meio do caminho.

Com estrutura de noir (o trabalho anterior de Polanski foi Chinatown, 74), é muito bem sucedido em interpretações, clima claustrofóbico apoiado por direção de arte irrepreensível, mas o maior trunfo é a exploração do medo pessoal. Muito pouco visto no cinema, até porque não é fácil expor o distúrbio psicótico onde o portador é a vítima, não o criminoso.


O Inquilino - Le locataire

- França 1976 De Roman Polanski Com Roman Polanski, Isabelle Adjani, Melvyn Douglas, Jo Van Fleet, Jacques Monod, Lila Kedrova, Shelley Winters , Josiane Balasko 126’ Horror



Cotação:

22 de outubro de 2009

A Menina e o Porquinho (1973)

Ousadia da Hanna-Barbera, tradicional estúdio de curtas, ciscar no terreno Disney. Por décadas a casa do Mickey era sinônimo de longas em animação.

Tecnicamente este desenho tem todos os defeitos dos produtos H-B que bem conhecemos da TV, econômicos, muitas vezes os personagens só movem a boca. Isso se torna mero detalhe diante da história encantadora, com imortal lição de coleguismo.

Talvez o nome em português possa frustrar, já que a menina em questão participa só no começo, quando não permite que o porquinho Wilbur seja sacrificado. Ele não foi vendido como os demais por ter nascido menor que os demais.

Adulto e gordinho, o amigo rosa vai morar em outra fazenda, e lá, para não virar toicinho contará com a auxílio de Charlotte. A aranha solidária usará sua teia para falar aos humanos que belo suíno eles têm.

Essa atitude altruísta envolverá todos os outros animais direta ou indiretamente numa teia da bondade. Portanto, com esse trocadilho com a rede (web) da ajuda, o título original, idêntico ao do livro que o inspirou, dá mais sentido à trama.

Com algumas canções menos enfadonhas do que minha memória guardava, ainda dá pra assisti-lo tranquilamente. Graças ao ritmo lento, deve agradar apenas as crianças bem novinhas, embora se eu tivesse um filho, pela valiosa lição, forçaria um pouco a barra.

Nunca tinha assistido inteiro, mesmo tendo sido exibido incontáveis vezes nas tardes da Globo dos anos 80. Estudava de manhã, então, ainda mais com aquelas músicas, acabava dormindo na metade, esparramado no sofá.

Em certo ponto, A Menina e o Porquinho sempre causava choradeira entre a galerinha lá de casa. Depois de adulto não me pareceu tão sentimentalóide.

Curiosamente ele usa atores famosos, prática que só se tornaria comum dos estúdios Disney nos trabalhos recentes. As vozes de Debbie Reynolds (como a aranha Charlotte) e Agnes Moorehead (a gansa atrapalhada) são identificáveis, e um motivo a mais para curtir.

As duas eram amicíssimas a ponto de alimentar as línguas ferinas da época sobre um suposto affaire entre as duas. Moorehead, atriz shakesperiana conhecida como a Endora do seriado A Feiticeira, faleceria no ano seguinte, sendo este seu último trabalho para o cinema.


A Menina e o Porquinho - Charlotte's Web

- EUA 1973 De Charles A. Nichols Iwao Takamoto Com as vozes de Debbie Reynolds, Agnes Moorehead, Paul Lynde, Danny Bonaduce, William B. White, Henry Gibson 94’ Animação/Drama


DVD- Quando saiu o filme em live action protagonizado pela Dakota Fanning voltei a vê-lo nas boas lojas do ramo. Atenção porque há outro “A Menina e o Porquinho” bem baratinho, produzido por aqueles picaretas que vão na cola de sucessos e lançam títulos semelhantes. O clássico é da Paramount. Widescreen anamórfico, ótimo para quem não tem uma TV no formato já que as faixas negras costumam afugentar a petizada. Possui a dublagem em português que nos acostumamos na TV, além de dar a oportunidade de pela primeira vez ouvir a original, com as célebres atrizes com legendas em português. O único extra é o trailer original.

Cotação:

21 de outubro de 2009

Carrie, A Estranha (1976)

Brian de Palma brilhante demonstrando domínio na arte de filmar e manipulação da platéia. É o que ele mais tem de seu amado Hitchcock, muito mais do que referências visíveis.

Primeira adaptação de livro do Stephen King, abandona sua estrutura original, narrado em flashbacks com os depoimentos da sobrevivente Sue Snell e recortes de jornal. Linearmente a protagonista é envolvida na teia até a tragédia que todos estamos carecas de saber qual é.

Em mãos menos habilidosas escorregaria para a obviedade principalmente porque explora temas bem em moda no cinema 70’s: catástrofe e adolescentes problemáticos com “problemas” inexplicáveis ao senso comum. Carrie é uma garota que não consegue se enquadrar socialmente, como todo jovem se sente um pouco em qualquer época.

Criada por uma mãe fanática religiosa (Piper Laurie doentiamente espetacular!), paga o mico de ficar apavorada ao menstruar pela primeira vez no vestiário escolar. Impossível não ter vergonha por ela, e muita raiva da estupidez que lhe rodeia.

Hoje Carrie White seria facilmente identificada como sofredora de bullying. Pode claramente fazer referência a fatos recentes da vida americana, como o adolescente de Colombine que, desprezado pelos colegas, abriu fogo contra todos.

O que só a gente e ela sabemos, é que possui poderes telecinéticos, habilidade que lhe faz mover objetos com a mente. E está aí a graça de mesmo conhecendo o que vai acontecer (o próprio trailer mostra), seja a primeira ou a 20ª vez que se assiste, acompanhar o desprezo sádico daquelas meninas boçalmente nojentas de cabelo a lá Farrah Fawcett.

A subversão está em que em momento algum Carrie pareça uma coitada psicótica. Vai atrás pra tentar entender seus dotes mentais, peita a loucura materna e desconfia das boas intenções do mocinho com cabelo igual ao do Ovelha quando este lhe convida a ir ao baile da Bates High School.

O filme discute intensamente o que nos pertence, fruto do que adquirimos conscientemente durante a vida, herdamos geneticamente e o que os outros tentam nos impingir rotulando. Por duas vezes Carrie é emporcalhada fisicamente ao tentar ser ela mesma.

O diabo são os outros!


Carrie, A Estranha - Carrie

- EUA 1976 De Brian De Palma Com Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, William Katt, Betty Buckley, Nancy Allen, John Travolta, P.J. Soles 98’ Suspense


DVD- Comercializado em três versões no Brasil. Há uma edição que só vem o trailer de bônus, uma edição “presente de grego” onde Stigmata o acompanhado e esta edição especial.

Para quem o viu como eu, a primeira e inesquecível vez na TV (TV Bandeirantes), depois o adquiri em VHS, parece estarmos assistindo a um novo filme! A imagem cristalina (com TODAS as sardas da Sissy Spacek aparentes) em widescreen, áudio 5.1 deixando a trilha sonora de Pino Donaggio ainda mais arrepiante...

Pena que o DVD saiu em 2000, primórdios da era digital, e nenhum extra venha com legendas. Há um longo documentário com todo o elenco (exceto Travolta) relembrando as filmagens, outro com making of, galeria de imagens, o espalhafatoso trailer original e muito texto em português sobre Stephen King.


Cotação:

A Sombra do Vampiro

O principal mérito é ser curto. Gigante desperdício de idéia genial, não chega a aborrecer, embora fique muito longe do que poderia ter sido.

O argumento versa sobre os bastidores do clássico expressionista Nosferatu, e a possibilidade de Murnau ter contratado um vampiro de verdade para encarnar o Conde Orlock. Daí que o vampiro quebra o acordo e sai atacando membros de equipe.

Talvez pela inexperiência do diretor, isso tudo não dá em nada, não se definindo como comédia, drama, suspense ou uma mescla de tudo isso. É insosso, embora a princípio fascine a recriação do ambiente cinematográfico nos primórdios.

Mas logo depois não dá para levar a sério nem isso, tendo como comparação as péssimas recriações do filme alemão de 1920. Completamente forçadas para justificarem ao argumento.

Há pelo menos uma sequência, quando o produtor interpretado por Udo Kier descobre a verdade sobre o vampiro, que se percebe a total falta de direção de atores. O texto diz uma coisa, eles interpretam outra.

Como tudo não anda nem desanda, Willem Dafoe como o tal príncipe da noite acaba destoando ridiculamente de todo o resto. As outras interpretações são caricatas, quase ofensivas na tentativa de reproduzir a forma como os atores atuavam na Alemanha dos anos 20.


A Sombra do Vampiro - Shadow of the Vampire

- EUA 2000 De E. Elias Merhige Com John Malkovich, Willem Dafoe, Udo Kier, Cary Elwes, Catherine McCormack, Milos Hlavac 92’ Drama


DVD- E pra azar total, filme independente (produzido com alarde por Nicolas Cage) saiu aqui por distribuidora pequena. E a Europa lança qualquer filme com o básico que tem á mão, poucos e importando do que se trate.

Tacou uns menus animados chatíssimos que não podem ser pulados. Pra piorar, o longa está em tela cheia (4x3), com qualidade de imagem sofrível, mas pelo menos preservaram o áudio 5.1.

De bônus incluiu trailer, making of curto e entrevistas idem. E absolutamente nada sobre o filme Nosferatu, o diretor Murnau, ou o verdadeiro Max Schreck, o que poderia ter valido a pena no DVD.


Cotação: